Como teria de conhecer tudo de Belém em um praticamente único dia, acordei bem cedo e me mandei para a rua. Comecei para a Praça da República e seus belos Theatro da Paz e Bar da Praça, dois exemplos de como a riqueza gerada pelo ciclo da borracha influenciou no modo de vida local. O primeiro, em estilo neoclássico inspirado no Teatro Scala de Milão, e o segundo, em "art noveau" remetendo à "Belle Epoque", tão admirada pela aristocracia local na virada no século XIX. Prá você que dormiu na aula de História, o ciclo da borracha teve lugar na região amazônica no final do século XIX e começo do século XX, e assim é chamado por consistir na extração do látex da seringueira - muito encontrada por lá - para a produção de borracha.
Com o desenvolvimento tecnológico após a Revolução Industrial, a borracha natural tornou-se um produto muito utilizado. Como, até então, a única região produtora era a Amazônia, milhares de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo foram para lá atraídas em busca da riqueza gerada pelo seu cultivo e comércio, impulsionando o desenvolvimento da região, e trazendo consigo, também, todas as suas mazelas. Voltando aos dias de hoje, andei até a orla da Baía do Guajará, formada pelo encontro da foz do Rio Guamá com o Rio Acará, onde fica a Estação das Docas. Antigos armazéns do porto da cidade, a área foi revitalizada e hoje abriga lojas, restaurantes, cervejaria, teatro e centro de exposições, tudo muito limpo, novo e bonito. Atrai moradores da cidade e turistas, que podem experimentar os pratos da culinária local em sistema "bufê". À noite, som ao vivo no bares, com grupos tocando em plataformas suspensas por guindastes dentro do boulevard. De lá, e ainda na orla, caminhei um par de centenas de metros até o Mercado Ver-o-Peso, que leva esse nome em referência ao antigo entreposto comercial da coroa portuguesa, onde as mercadorias eram pesadas - e os impostos, arrecadados - antes de serem embarcadas nos navios cargueiros. O mercado em si - inúmeras vezes modificado ao longo de sua história - não tem grandes atrativos. Basicamente se vende peixe, que chega pelas mãos de centenas de pescadores e vendedores em seus barcos pela Baía do Guajará. O legal mesmo, e que já valeria a visita a Belém, é a feira-livre que fica ao lado, com suas centenas de barracas de tudo quanto é artigo e gênero, mais ou menos divididos por área.
Lá você encontra roupas, calçados, acessórios, óculos, artesanato, utilidades domésticas, farinhas de todos os tipos e os boxes de comida para todos os gostos e bolsos. Mas o mais bacana são as barracas de produtos amazônicos, desde uma infinidade de frutas que você já pode ter ouvido falar, mas nunca viu, como graviola, pupunha, cupuaçu, açaí e maracujá-do-mato, passando pela castanha-do-pará e os extratos medicinais feitos com produtos da flora amazônica. Duas coisas merecem registro. Uma, a castanha é extraída de uma casca dura pelos vendedores com um machete e acondicionada em uma garrafa pet cortada e depois passada para saquinhos, vendidos de R$ 2,00 a R$ 7,00.
Acho que o saquinho mais barato custaria aqui no Sul uns R$ 15,00. Aproveitei e fiz um estoque de castanhas. A outra, como disse em post anterior, tinha torcido o pé jogando futebol e meu tornozelo estava tão inchado que tive de mudar a data do início da trilha para o Monte Roraima para dar tempo de me recuperar. O problema era que, faltando pouco mais de uma semana para começar a caminhada que duraria oito dias, meu tornozelo ainda estava uma bola e doendo um tanto, ainda mais porque andava o dia todo.
Mas encontrei a barraca da D. Ana e seus milhares de compostos para (quase) todos os males que afligem o mundo. Naquele momento, o meu era o inchaço no tornozelo, e a sua cura me custou singelos R$ 10,00, bem gastos numa garrafinha com um líquido fedorento e um monte de casca, galho e sei-lá-mais-o-quê. A recomendação, de passar o líquido três vezes ao dia, foi seguida à risca e, três dias depois, nem sinal do inchaço e da dor!