quinta-feira, 28 de abril de 2011

o ciclo da borracha e o Mercado Ver-o-Peso

Theatro da Paz
Como teria de conhecer tudo de Belém em um praticamente único dia, acordei bem cedo e me mandei para a rua. Comecei para a Praça da República e seus belos Theatro da Paz e Bar da Praça, dois exemplos de como a riqueza gerada pelo ciclo da borracha influenciou no modo de vida local. O primeiro, em estilo neoclássico inspirado no Teatro Scala de Milão, e o segundo, em "art noveau" remetendo à "Belle Epoque", tão admirada pela aristocracia local na virada no século XIX. Prá você que dormiu na aula de História, o ciclo da borracha teve lugar na região amazônica no final do século XIX e começo do século XX, e assim é chamado por consistir na extração do látex da seringueira - muito encontrada por lá - para a produção de borracha.
Bar da Praça
Com o desenvolvimento tecnológico após a Revolução Industrial, a borracha natural tornou-se um produto muito utilizado. Como, até então, a única região produtora era a Amazônia, milhares de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo foram para lá atraídas em busca da riqueza gerada pelo seu cultivo e comércio, impulsionando o desenvolvimento da região, e trazendo consigo, também, todas as suas mazelas. Voltando aos dias de hoje, andei até a orla da Baía do Guajará, formada pelo encontro da foz do Rio Guamá com o Rio Acará, onde fica a Estação das Docas. Antigos armazéns do porto da cidade, a área foi revitalizada e hoje abriga lojas, restaurantes, cervejaria, teatro e centro de exposições, tudo muito limpo, novo e bonito. Atrai moradores da cidade e turistas, que podem experimentar os pratos da culinária local em sistema "bufê". À noite, som ao vivo no bares, com grupos tocando em plataformas suspensas por guindastes dentro do boulevard. De lá, e ainda na orla, caminhei um par de centenas de metros até o Mercado Ver-o-Peso, que leva esse nome em referência ao antigo entreposto comercial da coroa portuguesa, onde as mercadorias eram pesadas - e os impostos, arrecadados - antes de serem embarcadas nos navios cargueiros. O mercado em si - inúmeras vezes modificado ao longo de sua história - não tem grandes atrativos. Basicamente se vende peixe, que chega pelas mãos de centenas de pescadores e vendedores em seus barcos pela Baía do Guajará. O legal mesmo, e que já valeria a visita a Belém, é a feira-livre que fica ao lado, com suas centenas de barracas de tudo quanto é artigo e gênero, mais ou menos divididos por área.
Lá você encontra roupas, calçados, acessórios, óculos, artesanato, utilidades domésticas, farinhas de todos os tipos e os boxes de comida para todos os gostos e bolsos. Mas o mais bacana são as barracas de produtos amazônicos, desde uma infinidade de frutas que você já pode ter ouvido falar, mas nunca viu, como graviola, pupunha, cupuaçu, açaí e maracujá-do-mato, passando pela castanha-do-pará e os extratos medicinais feitos com produtos da flora amazônica. Duas coisas merecem registro. Uma, a castanha é extraída de uma casca dura pelos vendedores com um machete e acondicionada em uma garrafa pet cortada e depois passada para saquinhos, vendidos de R$ 2,00 a R$ 7,00.
Acho que o saquinho mais barato custaria aqui no Sul uns R$ 15,00. Aproveitei e fiz um estoque de castanhas. A outra, como disse em post anterior, tinha torcido o pé jogando futebol e meu tornozelo estava tão inchado que tive de mudar a data do início da trilha para o Monte Roraima para dar tempo de me recuperar. O problema era que, faltando pouco mais de uma semana para começar a caminhada que duraria oito dias, meu tornozelo ainda estava uma bola e doendo um tanto, ainda mais porque andava o dia todo.
Mas encontrei a barraca da D. Ana e seus milhares de compostos para (quase) todos os males que afligem o mundo. Naquele momento, o meu era o inchaço no tornozelo, e a sua cura me custou singelos R$ 10,00, bem gastos numa garrafinha com um líquido fedorento e um monte de casca, galho e sei-lá-mais-o-quê. A recomendação, de passar o líquido três vezes ao dia, foi seguida à risca e, três dias depois, nem sinal do inchaço e da dor!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Belém - a metrópole e o cartão de visitas da Amazônia


Viajar para o Norte do Brasil não é tão simples assim. Primeiro, por conta da distância: Belém fica a quase 3.000 km de São Paulo, distância 500 km maior do que a que separa Paris de Moscou.
E depois pela péssima infraestrutura de transporte. Há basicamente duas vias terrestres, a BR-010, que liga Brasília a Belém, e a BR-316, cujo acesso é feito a partir de Teresina. Apesar de malha aeroviária ter melhorado bastante, ainda está longe da ideal, sem contar o preço altíssimo das passagens aéreas. Não há, por exemplo, vôos diretos para Boa Vista, onde eu deveria estar no dia 07 de maio, quando o grupo partiria para a Venezuela. Então, nada mais natural do que aproveitar a viagem à região Norte para conhecer outras cidades, como Belém, às margens da Baía do Guajará. Com seu 1,5 milhão de habitantes, a cidade é ótimo cartão de visitas para quem quer desbravar a região amazônica. Reservei duas noites em um bom albergue chamado Amazonia Hostel e marquei a passagem aérea de Manaus para Boa Vista para nove dias depois da chegada à cidade, deixando para decidir depois como iria de Belém a Manaus. No dia do embarque, madruguei e terminei de arrumar minha mochila, já deixada no jeito na noite anterior. Na chegada do tranquilo voo se tem uma bela vista da cidade para quem senta nas fileiras do lado direito do avião.
Cheguei ao hostel no meio da tarde, um pouco antes da pontual chuva e a tempo de acompanhar a final da Liga dos Campeões da Europa, entre Barcelona e Manchester United. O albergue fica num casarão antigo, com chão de tábuas de madeira e pé direito bem alto, típico da época de riqueza do ciclo da borracha. Estava vazio e pude ficar sozinho em um quarto. Diminuída a chuva, saí para dar um volta e comprar algumas coisas que faltavam para a expedição. Ainda perto do hostel, na esquina da Avenida Visconde Souza Franco com a Rua João Balbi, encontrei a barraca da D.Telma, simpática e caprichosa senhora que prepara e vende um dos  mais populares pratos típicos paraenses, o tacacá! É um caldo amarelo quente servido em uma cuia, feito com tucupi, camarão, pimenta, jambu e, vai do gosto do cliente, com goma de mandioca (eu gostei muito mais sem). Jambu e tucupi são outros dois ingredientes típicos da sensacional culinária paraense (só ela já vale a visita). O tucupi é extraído da raiz da mandioca-brava e passa por um longo processo de fervura para eliminar o ácido cianídrico. Muito utilizado em outros pratos típicos, como o pato no tucupi e no preparo de peixes locais. Já o jambu é uma erva que provoca uma certa dormência na boca e cai muito bem no tacacá. Muito bom, foi acompanhado de um bolinho de macaxeira. Já começava a cair a noite e fui a um shopping próximo comprar algumas coisas que faltavam, principalmente uma toalha ultra-absorvente para a trilha. Depois, dei mais uma volta no bairro em busca de um bar para acompanhar a rodada do brasileirão. Parei em um onde estavam passando vários jogos e, acabei conhecendo um maluco que estava tentando xavecar duas suecas instaladas numa mesa ao lado, mas não sabia falar inglês. Ele queria que as meninas fossem a uma balada com ele. Eu traduzia mais ou menos o que o cara queria dizer a elas, mas dei um toque que era furada. No fim, o cara foi embora e eu me juntei às meninas, que eram estudantes de arquitetura, estavam vindo de Manaus e iam no dia seguinte para Brasília. Elas me contaram que desceram o rio Amazonas de barco e resolvi que seria assim que iria para lá, apesar delas terem dito sobre a demora, desconforto e tudo mais. Fiquei pensando como elas são corajosas de vir para um país tão diferente do delas, em que pouca gente fala inglês, e sem falar uma palavra de português ou espanhol, se enfiar num barco por uma semana no meio do nada e ainda encarar algumas boas horas de viagem. Ao fim da viagem, percebi que, exceção feita à língua, eu não era tão menos estrangeiro que elas ali naquelas bandas. Após muita conversa, chegou a hora de voltar ao albergue e descansar, pois teria uma longo dia seguinte.
Tacacá = tucupi + jambu + camarão seco + pimenta + sal

terça-feira, 26 de abril de 2011

o Brasil do Norte

Há exatamente um ano atrás eu chegava em Boa Vista, voltando de uma “expedição” de oito dias ao Monte Roraima, o lugar mais sensacional que visitei nos treze meses que durou o meu período sabático.  Quando imaginei sair do Brasil para meu sabático, tinha na cabeça morar seis meses em Londres, viajar por alguns meses pela Europa e passar o verão na Espanha. Já tinha visitado o país ibérico duas vezes, nunca fugindo do eixo Barcelona-Madrid, e estava decidido a voltar.  Mas, apesar de ter curtido muito o período londrino, a maior parte dos seis meses que passei lá foram debaixo do mais frio inverno nos últimos 40 anos. À medida que o fim do meu visto se aproximava, o verão avançava no Brasil, trazendo com ele o Carnaval e as dezenas de e-mails de meus amigos planejando os festejos de Momo, que me fizeram mudar os planos.
 Resolvi viajar pelo Brasil depois de pular o Carnaval em Paraty e colocar um fim – assim pensava – nas viagens pela Europa. A questão era: prá onde ir? Tinha muito tempo e nenhuma companhia. Com o Guia Quatro Rodas na mão e pouca imaginação, decidi ir para os quatro cantos do Brasil. Literalmente. Ou quase, pois o extremo oeste brasileiro só é acessível com ajuda dos pelotões de infantaria de selva do exército, que, de tempos em tempos, se enfiam no meio do mato para checagem e manutenção dos marcos da fronteira. Comecei pelo extremo sul para aproveitar o fim do verão e cheguei ao Chuí no fim de março. Foi durante esta viagem que recebi o convite para escrever uma matéria para uma revista regional e resolvi publicá-la em forma de diário no blog. Terminada a viagem, voltei para Itu e comecei os preparativos para o trecho norte da empreitada. O ponto acessível mais ao norte é o Monte Roraima, que fica na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana e já habitava havia muito tempo o meu imaginário (mas não para o sabático). Pesquisei bastante e encontrei algumas agências venezuelanas e algumas brasileiras (o acesso ao Monte só pode ser feito na companhia de guias cadastrados). Os preços variavam bastante, mas optei por uma agência brasileira, a Roraima Adventures, pensando (como advogado) que, caso algo desse errado, seria menos difícil tentar reaver o dinheiro investido (ao contrário, tudo correu da melhor maneira possível).
 Havia poucas datas de saída de grupos – e quanto menos gente, maior o preço – e optei inicialmente por uma no final de abril. Mas acabei torcendo o pé jogando futebol e tive de adiar por quase duas semanas a viagem pois meu tornozelo estava no tamanho de uma laranja. Uma das melhores coisas de se ter tempo livre para viajar e fazê-lo fora de temporada é que os preços são muito mais baixos. Aproveitei uma promoção da Gol e comprei cinco trechos aéreos por 20 mil milhas, o que teve o seu lado bom e o seu lado ruim. O lado bom, obviamente, foi o financeiro.  O lado ruim foi ter me obrigado a seguir um roteiro, o que me fez perder muitas oportunidades de me embrenhar na cultura dos povos do norte do Brasil. Se fosse fazer de novo, faria diferente. A viagem, que durou quase um mês, começou por Belém e passou por Santarém, Manaus, Boa Vista, Monte Roraima, Recife e terminou em Fernando de Noronha. Nos próximos posts (que terão data retroativa), não necessariamente diários, afinal preciso escrever tudo do zero, contanto com as fotos, um bloquinho de anotações e as lembranças, vou contar como foi.
Eduardo Cotrim - 16/05/12

terça-feira, 5 de abril de 2011

Florianópolis - SC

[vista da varanda do albergue]
Ao lado Rio de Janeiro, Floripa é a cidade que mais gosto de visitar. Em um raio de 20 quilômetros, há praias com onda, sem onda, cheias de gente, desertas, trilhas, cachoeiras, lagoas, dunas, além de todas as facilidades de uma cidade grande. Da cerca de uma dezena de vezes que lá estive, esta foi a primeira vez que fui sozinho e que me hospedei em um albergue, o Backpackers Sharehouse, na Barra da Lagoa. Depois de uma viagem tranquila - apesar do ônibus parar em tudo que é cidade no caminho -, cheguei à noitezinha na cidade e, com mochilão e tudo, já fui ao Mercado Público tomar um(ns) chope(s) e matar a saudade do bolinho de bacalhau do Box 32. Devidamente reabastecido, peguei um bumba no terminal central e logo cheguei ao hostel. Digno de nota o sistema de transporte da ilha: há vários terminais, onde você pode trocar de ônibus, pagando uma só passagem.
[Barra da Lagoa]
As vias (à exceção do trecho próximo ao Rio Tavares, no Sul da ilha, e, dependendo do horário, em volta da Lagoa da Conceição) permitem fácil e rápida locomoção (ao menos em fora de temporada) e, se você tiver tempo, o transporte público é uma boa e barata opção de locomoção. O hostel ficava ao lado do curso d'água que vai da Lagoa da Conceição até o mar, e não estava lotado, o que foi muito bom. Galera animada e super prestativa cuidava do local, promovendo atividades (e churrascos) todos os dias. Tive sorte, pois, depois de uma semana de chuvas, abriu um solão, que me acompanhou durante todos os dias que fiquei em Floripa. Nas noites de sexta e sábado, fui a um samba que rolava em um bar/restaurante chamado Vigia do Casqueiro. Sensacional. Ficava a poucos metros do albergue, na subida da servidão de passagem que leva a uma prainha.
Conheci muita gente, gringos e locais. No domingo, fui a um samba na praia da Joaquina. Muito bacana também, mas muito mais cheio e agitado. Foi muito engraçada a ida, pois era o único brasileiro (além do motorista) na Kombi do albergue. A galera estava achando o máximo (ou exótico) ir a um samba naquela lata-velha. Senti-me quase um gringo. Durante o dia, ia para as praias próximas (a Barra da Lagoa fica entre a Praia da Galheta e Moçambique, a maior da ilha, com cerca de 7kms de extensão). Legal mesmo foi fazer a trilha para a praia da Lagoinha do Leste, no sul da ilha. Há duas opções: iniciar a trilha pelo Pântano do Sul ou por Matadeiro. Escolhi esta última. Como havia chovido muito nos dias anteriores, a trilha estava meio fechada e, em alguns trechos, difícil de ser visualizada. 
 O primeiro trecho foi o mais difícil, com uma forte subida e mata mais fechada. Passados cerca de 40 minutos, contudo, saí da mata e atingi o costão, muito mais plano e com uma bela vista. Mais uns 40 minutos de caminhada em ritmo forte e cheguei à praia, considerada por muitos a mais bonita de Floripa. Tive de concordar. A faixa de areia fofa fica entre o mar (com ótimas ondas) e uma lagoa que nele desemboca. Muito poucas pessoas estavam na praia, e a maioria delas estava acampando próximo ao canto direito. Fiquei umas boas duas horas por ali, subi em tudo que é pedra, nadei pelo riacho até a lagoa e descansei antes de fazer o caminho de volta para a praia de Matadeiro. Recomendo! Boa maneira de encerrar a viagem pelo sul do País. Dia seguinte tomei o voo de volta para Viracopos, e, então, depois de mais de 3.600 kms percorridos, Itu. Até, é claro, a próxima viagem (desta vez, para o extermo norte do Brasil).
 
 
 
 
 

sábado, 2 de abril de 2011

Torres - RS

Como não há ônibus direto de Mostardas até Torres, tive de fazer uma "escala" em Osório, sempre pela BR 101, que ao contrário do trecho anterior (de São José do Norte até Mostardas), é muito esburacado. Nas palavras dos próprios gaúchos, Torres faz parte do seu litoral por acidente, pois se parece muito mais com o litoral catarinense. E é verdade. A longa e retilínea faixa de areia, precedida por pequenas dunas e vegetação rasteira, dá lugar a um litoral recortado, com diversas enseadas ladeadas por costões rochosos. A cidade tem inúmeros prédios baixos e uma boa infraestrutura de serviços (há um sem-número de imobiliárias nos bairros mais próximos às praias centrais). Hospedei-me em um hotel bacana, em um quarto com vista para o mar, por apenas R$ 40,00. Ê, baixa temporada! Por outro lado, não havia muitos turistas na cidade e não pude comprovar a fama de "point" da cidade. E como o tempo não estava dos melhores, não rolou nem pegar uma praia. O negócio foi caminhar por toda a orla urbana, desde os molhes, até a praia da Guarita, passando pelas praias Grande, Prainha e da Cal. Ao final desta, o Morro do Farol oferece uma bela vista da cidade e conta com mirantes para o mar. Há, inclusive, uma pequena escada que leva às pedras à beira-mar, onde tomei um banho de algumas que ali arrebentavam. A praia da Guarita, cartão-postal da cidade, é, de longe, a mais bacana. Fica entre as Torres do Meio e Sul e é muito procurada por surfistas e, seus costões, por pescadores. Pude ver um par de golfinhos passar ao largo dela, mais ou menos próximos aos surfistas. À noite, arrisquei-me em uma baladinha esquisita, que não rendeu nem história prá contar. Como a previsão do tempo era de chuva neste trecho do litoral e também na região dos cânions na divisa com Santa Catarina, decidi ir direto para Florianópolis no dia seguinte.